domingo, 30 de setembro de 2012

You better run, better run faster than my bullet (ou, hard e com emoção)

Mais de um mês desde a última postagem, voltei com boas notícias! 
(Não, não estou muito mais calma e organizada e ponderada e nada desse tipo de "ada". Eu disse que eram boas notícias e não notícias impossíveis.)
Então... ontem foi meu aniversário, agora tenho 23 anos. (essa é uma "boa" notícia, mas não é o que eu ia dizer) Bom, eu deveria começar pelo começo, mas estou meio anacrônica. Hoje eu estava pensando no meu "currículo". 23 anos, formada em Letras, mestranda em Educação, um tumor e 3 cirurgias no cérebro, 1 cirurgia pra retirada das adrenais, 1 cirurgia de adenoide, nenhum osso quebrado, cabelos loiros, cabelos ruivos, cabelos pretos, cabelos loiros de novo, 1 piercing (que "sumiu"), 2 tatuagens, um afilhado, um show de um dos Beatles, um show de um Nirvana, vários shows do meu irmão, algumas aulas (ministradas por mim), alguns concursos, algumas lágrimas, alguns sorrisos, alguns desejos... 
O mais louco disso tudo é pensar que o que eu tinha planejado pra quando eu tivesse 23 anos eu tenho. Pensava em estar formada, morando sozinha, fazendo mestrado e com saúde. E, adivinhem só (sim, a notícia boa!!!) eu estou com saúde! Na verdade eu já estava, mas a questão é: NÃO, EU NÃO TENHO MAIS CUSHING! Meus exames estão oficialmente livres do cortisol extra! Aliás, meus últimos exames indicavam um índice abaixo da quantidade possível para análise. Isso poderia ser perigoso, se eu tivesse sintomas de outra síndrome, se eu estivesse caindo pelos cantos, sem conseguir praticamente me manter em pé. Mas não, eu sou a incrível Rafaella, com dois L. O quase nada de cortisol que estou tomando em comprimido são mais do que suficientes pra me manterem em pé, e não me fazem ter nenhum sintoma de fraqueza significativo. Aí que novamente eu entro naquelas loucuras de que eu devo ter super-poderes. 
Enfim, o que me peguei pensando hoje no meu momento filosófico enquanto lavava louça é que lógico que eu não planejava ter Cushing no meio do caminho, mas eu tive, só que planejei estar bem e estar onde estou agora. Não importa o que passei, o resultado alcançado foi o que planejei. (rimou, ui) Claro que tenho muitos outros planos ainda, mas eu me imaginava mais ou menos como eu estou (só que mais magra! óbvio.) 
É esquisito dizer "não tenho mais cushing". Digamos que eu nunca tive, de verdade. Nunca senti que eu tivesse que me privar de alguma coisa em decorrência da doença, do tumor e de todas essas coisas que parecem aterrorizantes. Parece que eu só falo disso, mas é esquisito falar de alguma coisa que, como agora eu não tenho mais, eu poderia simplesmente apagar do meu passado, dizer que nunca aconteceu. Mas acho que relembrar isso me faz uma espécie de veterana de guerra, faz de mim mais forte (apesar de eu mesma me achar uma fracote), parece até que foi tudo invenção da minha cabeça pra colocar um pouco mais de emoção na minha vida. Imagina que monótono seria se eu só tivesse feito uma graduação normal, sem ter que ficar internada no meio do caminho, se eu fosse calminha e meiga e não tivesse terminado namoros, se eu fosse uma filha e irmã exemplar que não discutisse e não brigasse e não desse xiliques, se eu tivesse ganhado bolsa no mestrado sem ter problema de ter acabado de fazer (mais uma) cirurgia no cérebro e quase não conseguir assinar os papeis... Imaginem que chato seria se eu não tivesse o prazer de começar a tomar bebida alcoólica, depois de achar que eu seria proibida pro resto da vida (sendo que antes eu nem bebia e não fazia diferença nenhuma). Imaginem que chato seria se eu continuasse magrinha como eu era e não tivesse nenhuma "estria de cushing"... 
Essas marcas são minhas cicatrizes de guerra, minhas provas, meus lugares de memória. Numas aulas do mestrado, há uns dias,  estávamos discutindo sobre memória coletiva, memória individual, memória-história e essas coisas... Os textos da disciplina fala(va)m sobre importância de histórias de vida (dentre outras coisas e uma discussão muito mais abrangente que isso, mas não vem ao caso), e eu me perguntei: será que a minha história vai ter importância pra alguém, além de mim (e minha mãe, meu pai, minha família e tals)? Que tipo de importância? O que é importante? O que deve ser contado?
Eu leio tanto Alice que já cheguei até a pensar que essas "pedras no caminho" podem ser tudo fruto de sonhos. O passado passou. Será que passou mesmo? Como eu acredito no passado? A gente vê o passado através do presente e mesmo assim é uma coisa muito rápida. Por exemplo, comecei a escrever esse post há umas duas horas... Fico escrevendo, apagando, pensando, selecionando palavras, lembrando... e o passado só se "concretiza" quando eu digito a palavra pra eternizar a fração do passado que eu quero tornar público. Nesse exato momento, estou escutando a música "Pumped up kicks", da banda "Foster the people". Eu queria tornar pública agora a sensação de satisfação que eu tô sentindo e a lembrança boa que essa música me traz, mas é impossível. Não tenho como colocar em palavras o que eu sinto numa fração de segundos e nem sei explicar. Essa música me lembra a primeira viagem que fiz junto com meu irmão, pra SP, que não foi pra eu ir pro hospital, foi pra eu ir a um festival de música, pra não me preocupar com cushing. A sensação de quando eu estava lá foi tão satisfatória quanto a satisfação de saber que passei por um monte de coisas ruins, mas superei e tô aqui escrevendo. 
É inexplicável a nossa necessidade de querer se explicar. Escrever me dá essa possibilidade e ao mesmo tempo me tira essa possibilidade. Quando a gente escreve, a gente seleciona palavras e momentos pra serem registrados, mas essas escolhas nem sempre são as que exprimem o que nós queríamos, de fato. 
Agora eu nem sei o que eu queria exprimir, pode ser que eu esteja só divagando, mas é porque estou bem. 
Quando eu tinha muito "fato" pra contar - na minha fase cushingniana - é porque eu estava vivendo "altas aventuras", mas agora que venci o cushing, dei um UP na minha vida e possivelmente eu não precise mais citar essa doença. Posso deixar o passado passar e viver o presente pensando em outros planos, sempre mantendo a saúde nos meus pontos de chegada. Eu não excluo do caminho as intempéries, porque eu escolhi viver a vida no modo "hard e com emoção". 
Desculpem-me os que vivem comigo e não escolheram essa opção, se quiserem me acompanhar vão ter que correr! (prometo que ajudo!)
Sempre que lembro dessa "minha escolha", falo pra mim mesma: sobreviver é fácil, quero ver ser eu! E aí, em seguida, meu subconsciente responde: Challenge accepted!