segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Diálogos em família: também precisamos falar sobre o que não tá bem.

Quem conhece a minha família, convive com a gente, ou tem um de nós adicionado no Facebook sabe que volta e meia eu compartilho pequenas anedotas que surgem em diálogos rotineiros entre meus familiares e, às vezes, amigos mais próximos. Não é querer me gabar, mas somos ótimos nas tiradas e zoeiras (não é à toa que nosso grupo do Whatsapp, aqui de casa, é intitulado "Casa da Zoeira"). Porém, é claro, que nem tudo são flores - até porque se fosse, coitados de nós, as flores aqui em casa sempre morrem secas ou o Abreu (nosso gato) come, então não seria uma boa coisa. A gente quase sempre grita um com outro, briga, se desentende, fala bastante palavrão, mas estamos aí, vivos, inteiros, aprendendo com a vida e com nossos diálogos. 
Nossos diálogos nem sempre são essas anedotas curtas e divertidas, muitas vezes temos discussões intermináveis e filosóficas sobre a vida, o universo e tudo o mais; um pouco disso é porque temos um administrador na área de engenharia, um administrador na área ambiental e indígena, uma assistente social, uma professora na área de Línguas e um publicitário, então pensem, nada aqui fica só no senso comum, a gente bate o pé, a gente fundamenta discussão até sobre baixar a temperatura do ar condicionado ou aumentar (quem quiser as referências dos dois argumentos é só me avisar, tenho ambos salvos!). Masàs vezes, a gente desiste da argumentação, abre uma cerveja e pede uma pizza, porque acabar em pizza nem sempre é uma coisa ruim.
Mas eu comecei a falar tudo isso pra publicizar um diálogo importante que tivemos aqui em casa. Nós sempre pensamos num momento "certo", ou se estamos "prontos" pra falar sobre isso, ou sobre qualquer outra coisa, mas talvez estejamos muito mais preocupados se os outros estão prontos pra saber de alguma coisa e julgar se é certo ou não. E, nesse caso, se alguém não está pronto pra saber, deveria começar a pensar sobre si mesmo, sobre a vida, o universo e tudo o mais e, principalmente, sobre preconceito, sobre respeito, tolerância e AMOR.
Todo mundo que me conhece há um tempo sabe que passei por poucas e boas e que eu sempre falei do apoio da minha família e dos amigos e isso foi o que me ajudou. Depois da minha última cirurgia e do cortisol controlado eu sou só sorrisos. E foi num dia de sorrisos, no carnaval de 2015 (um ano já!) saindo com meu irmão mais novo, que me pus a refletir, a observar o que eu tinha em minha volta, no caso, ele mesmo: meu irmão caçula. 
Eu sou daquelas que me preocupo exageradamente com as pessoas que gosto e tenho pavor só de pensar (e imaginar) em alguma coisa de ruim que possa acontecer. Digamos que eu seja uma ~bigsisterzilla~, ou qualquer termo que se encaixe nesse contexto. Dito isso, voltando para o carnaval, depois de uma conversa com uma amiga e depois de cair a ficha, cheguei em casa e conversei com a minha mãe, que, no dia seguinte, conversou com meu irmão mais novo, junto do meu pai. E, sim, meu irmão é gay. Já tinha passado pela nossa cabeça, mas como ele nunca tinha falado nada, a gente leva com a barriga e acha que tá tudo bem, mas não tá tudo bem. 
Não tá tudo bem porque ele não contou com medo de represália, não tá tudo bem porque mesmo conhecendo a gente ele achou que a gente poderia ter lidado diferente, não tá tudo bem porque ele ainda tem que se "achar pronto" pra falar sobre isso com as pessoas, não tá tudo bem porque ele tem dúvida se pode postar foto com o namorado, não tá tudo bem porque tem gente que não entende que ninguém tem nada com isso. Só ele. E nós, porque nós fazemos parte da mesma família e se ele tiver qualquer dúvida, ou problema, a gente tá aqui pra ele. A gente tá longe de ser uma família perfeita (põe longe nisso, senhor!) , mas a gente se transforma juntos, a gente aprende juntos, a gente cresce juntos e a gente tenta quebrar barreiras juntos, a gente conversa. Muito. 
Falando sobre isso com um amigo meu, que me conhece há anos, ele me surpreendeu com uma frase dizendo "Ah, Rafa, eu imagino que seja difícil porque nenhuma mãe quer que seu filho faça parte de uma minoria". Quando ele concluiu, logo depois de "quer que seu filho", eu percebi que nós somos cercados de gente querida. Mas nem todos são assim. Quem não está no nosso dia a dia é quem nos preocupa, e até nos dá medo.
Porém, não importa o que aconteça, nossa família exala coisas boas, ou pelo menos a gente tenta. E os diálogos nos ajudam com isso. Os diálogos nos ajudam a nos manter juntos, a nos aceitar, a nos fazer repensar algumas coisas que tínhamos por certo, ou por normal. 
Meus pais nos educaram (eu e meus irmãos) pra sermos pessoas críticas (algumas vezes eles se arrependem disso), seres pensantes e independentes. Por esse motivo, a cada dia nós todos nos "reformulamos". Talvez há um tempo eu não pensasse assim, há um tempo nós lidaríamos diferente com certas situações, mas a gente vai tentando fazer dar certo, ou se der errado, a gente volta lá pra parte de abrir uma cerveja e comer uma pizza e tentamos de novo.
Hoje, eu luto por um mundo em que o diálogo seja normal, seja corriqueiro, seja fundamentado, seja causa e consequência de pessoas mais felizes. Hoje, eu luto para que outros gays, bi, lésbicas, trans, ou qualquer outra minoria não precisem mais se preocupar em "terem que assumir" qualquer coisa sobre sua vida pessoal. Hoje, eu luto para que as pessoas sejam mais tolerantes com diferenças, e que SIM, recebam tratamentos diferenciados, porque cada um precisa de uma coisa diferente, mas que essa diferença seja adequada, que essa diferença seja o respeito, que essa diferença seja resultado de uma pessoa crítica e que também lute por um mundo melhor.
Por esses e tantos motivos, talvez, eu tenha escolhido minha área de atuação - com a Linguagem -, porque, pra mim, os diálogos são fundamentais na convivência social. Os diálogos devem acontecer quando tudo vai bem e quando não tá tudo bem. 
Precisamos de diálogos porque precisamos de amor.
E eu sei que aqui em casa temos muito dos dois.