sábado, 7 de maio de 2016

Sobre tumor no cérebro, radiocirurgia estereotáxica e paradoxos (ou não).

"Professora, mas a gente sabe que tu tens teus problemas (sim, tenho alunos no Facebook) e mesmo assim tu SEMPRE dá aula de bom humor, tu mostra que gosta de dar aula pra gente!"

E é com essa epígrafe que começo meu texto... 

Toda vez que eu escrevo, não consigo dissociar a "Rafaella ser humano com vida social" da "Rafaella professora", talvez por que maior parte da minha vida - agora - seja dominada pela profissão. Dia desses eu passeava pelo shopping com minha mãe e vi um quiosque de almofadas. Na hora, pensei e falei "deve ser muito deprimente vender almofadas, a vendedora tá ali parada olhando pro além e o tempo não passa", mais rápida ainda, minha mãe responde "mas ela não tem que preparar aulas, não tem que corrigir redações, não leva trabalho pra casa!". Fiquei com isso na cabeça. Pode ser bom que nada aconteça, porque depois nada acontece e tecnicamente se está livre, Mas pode ser bom ter muito o que fazer, porque muito acontece e os dias são mais inspiradores. Parece um paradoxo, não? Mas é simples: algo bom pode ser ruim e algo ruim pode ser bom. (Meus alunos responderiam rapidamente essa com "depende do contexto, né profe?")
E esse basicamente é o resumo do que eu quero falar: uma coisa pode ser positiva ou negativa, dependendo do ponto de vista. 

Bom (ou ruim, né?)... Como muita gente já sabe, eu tenho um tumor no cérebro. Inicialmente (lááááá em 2009), quando eu descobri, não havia imagem nos exames, o diagnóstico de Cushing (sobre isso, clique aqui) em decorrência do tumor hipofisário veio depois de um cateterismo (sobre isso, clique aqui). Depois de toda a Odisseia de tratamento e cura do Cushing (sobre isso, clique aqui), eu sabia que poderiam ocorrer outros problemas posteriores. 
O tumor no cérebro libera(va ?) um hormônio, o ACTH (já falei várias vezes sobre isso em vários posts...). Esse hormônio, em ordem inversa, controlava a produção de cortisol (o famoso hormônio do stress - no caso, ele CONTROLA o stress, quando está em quantidades equilibradas, mas em níveis elevados e descontrolados, obviamente, faz o contrário: estressa muito mais, física ou emocionalmente). Como eu fiz a adrenalectomia bilateral (sobre isso, clique aqui), ou seja, retirei as glândulas que produzem cortisol (porque, no meu caso, o hormônio estava descontrolado) , eu não produzo mais cortisol, maaas continuo (continuava?) produzindo muito ACTH pelo tumor, porque o tumor continuava lá no cérebro brincando de me deixar bronzeada (a melanodermia, que já falei em vários posts). O "porém" do tumor continuar lá produzindo hormônio e mandando "informação" pra lugar nenhum (porque eu não tenho mais as glândulas para quem o tumor mandava informação pra produção de cortisol) é que o tumor poderia crescer, porque estava sendo muito estimulado pela produção hormonal que não era "liberada". A última cirurgia que me curou do Cushing foi em 2012. O tempo passou correndo e não percebi que já se foram 4 anos. Todo ano eu faço ressonância magnética pra controlar o tumor (e nunca tinha aparecido nas imagens, porque o tumor era ínfimo, tinha milímetros insignificantemente problemáticos) e ano passado, não sei por que cargas d'água, não fiz ressonância. No começo deste ano, como sempre fazia, retornei à consulta com minha endócrino e fiz a ressonância e... tchanam! Lá estava o diagnóstico: formação neoplásica recidiva de macroadenoma de hipófise, também conhecido como Síndrome de Nelson (sobre isso, clique aqui). Não me surpreendeu o laudo, eu sabia que ocorreria cedo ou tarde, mas foi muito rápido. Me veio um turbilhão de lembranças sobre todo o tratamento, os exames, as cirurgias e isso me entristeceu. Uma das opções, em 2011, no começo do tratamento e depois da primeira cirurgia, era a radiocirurgia. Naquela época a radio era feita com um arco estereotáxico (clique aqui para ver imagens do que é isso), e quando vi um paciente com aquilo, apavorei e até escrevi um post sobre o filme de terror que  me fez lembrar! (sobre isso, clique aqui) Esse ano, quando o tumor estava lá com seus dois centímetros, a única opção seria a radiocirurgia (para explicações sobre isso, clique aqui), porque o local do tumor não se chega com cirurgia "normal" (como as outras duas que já fiz, a transesfenoidal - clique aqui sobre isso). Claro que lembrando daquela imagem de 2011, apavorei. Quando fui à consulta com o radiologista, porém, ele me acalmou, pois hoje em dia aquele arco foi "aposentado" e o paciente fica com uma máscara não invasiva (ou seja, que não fura minha cabeça). Fiquei feliz da vida com a notícia... até fazer a máscara (para imagem da máscara clique aqui). Nunca tive problemas com claustrofobia para fazer ressonância magnética, mas naquele dia, quando aquele silicone começou a endurecer no meu rosto, preso à maca... comecei a bater loucamente com a mão na parede e pedir pelamordedeus pra tirar aquilo da minha cara que eu não estava conseguindo respirar. Foi só uma mini-crise-de-pânico. Passou. As enfermeiras tiraram, respirei fundo, colocaram de novo e eu comecei a refletir sobre a vida, o universo e tudo o mais, e esqueci onde estava. Saindo dali, imaginei que demoraria, pelo menos, umas duas semanas pra me chamarem pra radiocirurgia, de fato.
Menos de uma semana, eu nem tinha me preparado psicologicamente pra ter crise claustrofóbica de novo e eu já estava lá (ontem, no caso). Pela manhã, dei aula normalmente, segurando o choro, e ouvi aquela frase lá do começo do texto, sem nem ter mencionado absolutamente nada aos alunos. Me acalmou durante as aulas. Chegando em casa, banho e logo em seguida ia para o procedimento. Tenho certeza que todo mundo sabe o que significa banho em momentos de tristeza/medo: lágrimas e reflexões. Saí do banho e lá vamos nós. O médico me acalmou, depois de ter visto minha cara inchada. O procedimento foi relativamente rápido, demorou mais para as enfermeiras e os médicos encontrarem a posição certa para iniciar a irradiação. 
É apavorante ficar com aquela máscara na cara? É! Mas sabe o que mais apavora? A luta contra a própria mente. O problema maior é controlar a mente e os pensamentos, autocontrole, basicamente. A maior parte do tempo fiquei pensando em coisas do cotidiano e o que eu tinha pra fazer na escola, ou em alguns momentos recentes que foram positivos, enfim, abstraindo a situação. Claro, alguns momentos o pensamento escorregava e eu abria os olhos, começava a prestar atenção na minha respiração, na dor que sentia na testa por causa daquela máscara apertando, aí concentrava e passava. No último momento que eu já estava quase desistindo, comecei a sentir a máscara apertar meu nariz, queria chorar, espirrar... acabou. Ufa. Depois do procedimento, só farei ressonância magnética novamente daqui seis meses, para controle. A dose de irradiação foi única. Deu tudo certo... tirando a dor de cabeça extraordinariamente insuportável que me deu à noite, mas que nada tinha a ver com o procedimento, foi supostamente de tensão, (tenho traumas de dor de cabeça, principalmente por causa da última cirurgia) enfim... Acabou. Estou aqui, agora escrevendo este texto sem dor de cabeça. 
E feliz, mesmo na dor (aquela que não dá pra localizar...)

Já devo ter falado sobre isso, todo ano eu escrevo "uma carta para mim mesma", no site "FutureMe.org". Ontem eu recebi uma, e chorei, como sempre... Finalizo como finalizei a carta há um ano:

Corte mais os cabelos se der vontade, seja mais você, não se arrependa, não espere nada de ninguém, confie somente nos seus sentimentos. E só.

Seja feliz em cada momento, mesmo nos ruins.

Amo você. E eu. E nós.



sexta-feira, 6 de maio de 2016

No banho, suas lágrimas se confundiam com a água corrente.
Não sabia se a vermelhidão dos olhos era resultado da água quente ou do pranto.
A confusão se estendia pela dúvida sobre o motivo da tristeza.
Seria a dor da doença ou da vida?
Seria a lembrança de todo o sofrimento sentido a cada picada de agulha?
Seria a corrida diária contra o tempo?
Seria a pressão de ser?

Seria a pressão de sentir.
A dor que não é física pelas agulhadas.
A dor de sentir e omitir.
A dor de ser. Ser o que? Quem?

As lágrimas oscilavam entre os momentos de reflexão.
A batida da música camuflava os soluços estridentes.
O tempo continuava gritando e batendo na porta.

"Está na hora!" se ouvia ao longe.

As lágrimas cessavam.
Não por alegria.

Por necessidade.