terça-feira, 13 de junho de 2017

Como cheguei até aqui: cushing, gordofobia e feminismo.

Dia desses, saí de casa de manhã cedo. Como manezinha conhecedora do clima de minha cidade, fui encapotada trabalhar, com várias camadas de roupa. Porém, eu não ficaria o dia inteiro fora, então não coloquei nenhuma camiseta de manga curta por baixo, saí com uma blusinha preta do pijama mesmo. À tarde, por um acaso, acabei indo me encontrar com uma amiga e fiquei com calor. Ela insistiu pra eu tirar o casaco, eu disse que não, porque estava com uma blusa do pijama, que era muito apertadinha, e ela soltou a máxima "Nossa, tu era a última pessoa que eu ia pensar que se preocupava com essas coisas...". Fiquei pensativa depois disso... O que era "se preocupar com essas coisas"?
Eu penso nessas coisas. Eu penso em várias coisas. Eu também penso no que os outros pensam.
Me acho bonita? Sim, na maioria das vezes, mas não 24h. Feminista sim. Insegura, às vezes, também. Também nasci nessa sociedade cheia dos padrões de comportamento e beleza, já sofri muito pra chegar até aqui. Já tive épocas de me achar feia 24h por dia. Essa época passou, porque encontrei Jesus o feminismo. Mas a gente tem que entender que ninguém é tão desconstruído, tão "superior" a ponto de estar totalmente livre das amarras sociais ou de preocupações diversas... Por que estou falando tudo isso? Pra voltar um pouco no tempo e contar sobre o "chegar até aqui"... Bom, vamos direto ao ponto...

Quem me conhece sabe de toda minha saga contra o cushing e o tumor hipofisário, enfim, passei por muitos procedimentos médicos, por várias mudanças no meu corpo, por muitos problemas hormonais que mudavam meu humor, minha autoestima e, principalmente, meu relacionamento com os outros e comigo mesma. Inicialmente, antes de ter o diagnóstico e perceber visivelmente a mudança que vinha ocorrendo no meu corpo, eu sofria muito. Sofri, dentre muitas outras coisas, preconceito. Esse preconceito me fez, hoje, abrir meus olhos e ter empatia por coisas que eu nunca imaginaria. O preconceito que sofri tem nome e é bem conhecido por aí: GORDOFOBIA.

O próprio nome já é bastante sugestivo e dá para ter uma noção do que representa na sociedade dos padrões de beleza. A gordofobia, muitas vezes, vem disfarçada de cuidado com a saúde, ou de "gosto pessoal", ou de "divergências", mas na verdade é puro preconceito... Eu sofri muito por isso, porque eu também acreditava que não era certo ser gorda, que eu estava ficando feia, que pessoas gordas possivelmente não seriam amadas. Isso é muito forte. A gente propaga essas coisas sem nem pensar e ISSO TÁ TUDO ERRADO.

Não é certo pensar que alguém é bonito em detrimento de outros apenas pelo peso, ou pela cor da pele, ou pela textura do cabelo, ou pela classe social, ou seja lá quais outros muitos preconceitos que a gente ajuda a propagar, porque aprende desde pequena! 
Eu parei para pensar em tudo isso depois que me curei do cushing, mas se eu tivesse acesso a todas essas discussões maravilhosas sobre feminismo - como tenho hoje - tenho certeza que não teria sofrido nem metade do que sofri... 

O problema da gordofobia, no meu caso (e de muita gente, provavelmente), é que aquela frase supostamente inocente que as amigas fala(va)m "ah, tô me sentindo tããão gorda hoje" (pesando 50kg) eram como agulhadas em mim, ou socos no meu estômago. Aquele "me sentindo gorda" soava pra mim como "eu tenho 50kg e me sinto gorda, você está com 80kg e está HORROROSA". Sofri, quando comecei a sentir os sintomas do cushing e fui procurar ajuda médica. Como o cushing faz o organismo aumentar a produção de cortisol no corpo e este hormônio em excesso faz engordar, eu só ouvia dos médicos "você tem que se gostar, precisar emagrecer". Tudo que a gente ouve corrobora com a gordofobia, confirma o medo de ser excluída por mudanças na aparência. Eu estava doente, ser gorda não era minha doença, mas foi o que os médicos até então me faziam acreditar, além de toda a sociedade...

Até meus 16 anos, eu era uma menina bem magra, com 40 e tantos quilos, que tinha problemas de autoestima porque não tinha curvas. Detestava ir à praia, usar roupas curtas, ou qualquer tipo de roupa que mostrasse muito do meu corpo. Depois, com o cushing, meus preconceitos vieram todos à tona e bateram na minha cara pra eu acordar e perceber que todos os corpos são lindos. Feliz ou infelizmente, eu consigo enxergar isso hoje. Infelizmente porque precisei passar por um tumor para ter empatia e para ver como outras pessoas se sentiam. Felizmente porque hoje eu consigo enxergar a beleza com outros olhos (gostaria de já enxergar há tempos...).

O que tudo isso tem a ver com o início da história? Insegurança faz parte da gente, não está errado ter altos e baixos, a gente se desconstrói e se reconstrói aos poucos... mas a gente precisa se fortalecer, a gente precisa olhar pra quem está do nosso lado e pra nós mesmos. Às vezes, nossos preconceitos estão misturados com medo. Não está certo propagar preconceitos. Não está certo ter medo do que é fora do padrão. Não está certo sofrer para se enquadrar em um padrão que exclui e prejudica a todas e todos. Não está certo julgar os outros pelo que são. 

A gente não nasce desconstruído... a bicha lacradora, a negra tombadora e a feminista empoderada também têm inseguranças e não nasceram "prontas", pelo contrário, todo mundo tem sofrimentos e, como diz um amigo meu, cicatrizes na alma (no meu caso, no corpo também, literalmente)... Esses sofrimentos nos fizeram chegar onde estamos, mas esses sofrimentos não são as únicas coisas que nos definem. Gosto de acreditar que são justamente as conversas positivas acerca dos meus sofrimentos que me fizeram enxergar a beleza das coisas e das pessoas. 

Hoje, me sinto muito mais bonita do que quando pesava os 40 e tantos quilos. Hoje, convivo com minhas estrias, com minhas muitas cicatrizes de muitas cirurgias, com celulite, com uma barriga nada chapada e, sim, eu amo meu corpo. Eu tenho inseguranças, muitas, mas eu tenho consciência de ser quem eu sou. Esse amor, porém, não apareceu da noite pro dia. Esse amor foi construído com muito sofrimento, mas também com muitas alegrias e com a ajuda de muitas mulheres maravilhosas que passaram (muitas ainda estão!) pela minha vida e me fizeram entender que eu sou uma pessoa privilegiada, em todos os sentidos.

Minha felicidade hoje é ser uma pessoa saudável - que convive com pessoas lindas - que pode contar sua própria história...