domingo, 18 de abril de 2010

exílio da paciência.

Vários escritores consagrados têm prestígio por obras que escreveram no exílio.
Também pudera, nesse tempo internada o que mais me vêm são idéias de livros que eu poderia escrever, capítulos, artigos, teses, projetos e o escambal... Tudo é motivo de análise, as conversas dos outros pacientes, as histórias das vidas, os relacionamentos dos funcionários, dos pacientes, dos visitantes, a presença e ausência das pessoas, o silêncio, o choro, as risadas. É simplesmente impossível não ser um pouquinho filósofo nesses momentos de “repouso”. Escrever mesmo é o xis da questão. Eu, particularmente, repugno livros de auto-ajuda e constato que faculdade de psicologia não serve pra nada, o negócio é viver. Dentro do possível me acho uma pessoa equilibrada (muitas pessoas dariam risada dessa minha afirmação), mas ficar sozinha num lugar como esse é uma coisa assustadora, é bom ter com quem falar e ocupar a mente.
Um lugar estranho, com pessoas estranhas, e remédios e agulhas e sirenes e luzes e tudo isso girando com um turbilhão de pensamentos “mas eu tô bem, por que eu preciso ficar aqui?” em alguns minutos os pensamentos mudam “vou passar da endocrinologia pra psiquiatria, socorro!” mas pára, respira, coloca fone de ouvido, fecha os olhos e dorme. Acorda no outro dia com 2864375456736 mil médicos pra ver seu caso “olhem, olhem, já viram estrias desse tipo?”, “nossa! na canela nunca tinha visto” Os dias vão passando, as visitas se repetindo, vai se acostumando, entendendo... e aí você se sente útil! Todos aqueles alunos que passaram e te ouviram, no mínimo, sairão dali aptos a diagnosticar um caso como o meu. Esses médicos despreocupados que andam por aí deveriam ir pro país das Bruzundangas, onde os conceituados costumam dizer "você não tem nada". Logicamente, no mundo real, - se é que esse conceito existe - serão médicos competentes os que forem comprometidos com o seu trabalho e não deixar passar os sintomas - por mais generalizantes que sejam - vão pedir um simples exame de cortisol! A revolta, de não ter sido diagnosticada antes, foi passada só de ter sido contada. E os outros pacientes também percebem isso e por mais antissociais que sejam, acabam querendo contar alguma coisa, porque se sentem no direito de ter um bom tratamento e querem ser uteis pra um possível outro caso... até pedir meu DNA pra pesquisa já vieram, meu sangue já foi pra Espanha e tudo e eu aqui “cortISOLADA”...
Não sei o que eu seria sem todas as pessoas que me cativam e que são cativadas por mim, como diria a raposa do pequeno príncipe. Por mais “exilada” que eu esteja, a sensação é de estar ligada a todos ao mesmo tempo e a choradeira vem... E o choro nem é de tristeza é de felicidade, de ansiedade de querer sair e fazer mil coisas (escrever um livro, fazer um filme, tomar um café!) Um café... mesmo não tendo dieta restritiva, sou obrigada a comer comida do hospital (super bem temperada com toda a fama de comida de hospital!) Apesar dos pesares, o lugar é muito bom, as acomodações, os quartos, o serviço, tudo público. Passei por infinitos médicos particulares, consegui entrar aqui só por intermédio de uma consulta paga, mas aqui no hospital público é que os encaminhamentos são feitos, aqui as coisas andam, os médicos te reviram do avesso...

Nos primeiros dias eu esbanjando simpatia na minha crise de internação e as primeiras companhias de quarto quase tendo alta, cada um com sua cirurgia e sua recuperação e sua forma de encarar a situação, depois de uns dias juntas a fala começa a surgir e lá vem as confissões “quando vi vocês chegando pensei que eram super metidas, ficava aí quieta e nem falava com ninguém” mal sabem que eu não sou metida, sou só uma super chata mesmo, na verdade nem eu sei mais, porque eu tava me acostumando a ser chata, agora dizem que é culpa do cortisol! Mas em todo caso, acho que mudaram de opinião, concluí que o cortisol tem esse efeito sobre as pessoas, elas mudam... Por exemplo, quando chegou num estagio em que as pessoas da minha casa estavam desesperadas com as minhas inconstâncias (?) queriam que eu tomasse gotinhas de floral, eu já não sabia mais a que recorrer mesmo, mal aquilo não faria, tomei e... nada! A única coisa que serviu foi pra virar jargão de quando alguém tá irritado “e aí, já tomou a gotinha hoje?”, respostas de todos os níveis de educação podem surgir nesses momentos. Depois que descobrimos que o cortisol me provoca, todos se conformaram (não exatamente, mas quase isso).

Bom, na realidade vim pra cá para um Curso de Especialização em Paciência. Dizem que controlando o cortisol ficarei mais zen, olha só que maravilha! Por enquanto não tem nada controlado, mas estou no estágio, o tratamento é hard! Agüentar senhorinhas visitantes voluntárias é digno de pós-graduação! Algumas pessoas chegam numa certa idade e precisam muito se sentir uteis e de alguém pra conversar, mas não procuram psicólogos - porque todos que querem conversar, não querem médicos, é melhor pensar que conversam com pessoas que não estão sendo pagas pra ouvir o que tem a dizer – e pensam nos coitadinhos que estão no hospital precisando de uma visita. O problema é que os pacientes querem conversar sobre qualquer coisa, menos sobre o que essas senhorinhas voluntárias querem falar. Parece que em meia hora elas conseguem contar a desgraça de todas as pessoas que passaram pelo leito que você está, e se você der um sorrisinho, batata, abriu caminho para uma enciclopédia de doenças que ela teve ou que um conhecido teve (mas superou! ou então morreu, mas “pense que poderia ser pior, você está bem, sempre tem alguém pior!”)
Quem quer ficar ouvindo todo instante ‘’e, tens que ter paciência!”? Quem que conseguiu ficar paciente escutando isso? Não conheço. Não sei se é só pra quem tem cortisol alterado, mas são palavras mágicas, instantaneamente algo dentro de si vai crescendo e uma vontade de explodir (de se explodir, de explodir quem falou, ou de explodir qualquer coisa que tiver por perto) vai surgindo e você só pode sorrir e abstrair...