quarta-feira, 28 de abril de 2010

seguindo a estrada dos tijolos amarelos.

Vivemos em uma cultura grafocêntrica que torna oficial apenas aquilo que está registrado, apesar de que mesmo as coisas escritas às vezes precisam ser confirmadas com falas repetidas...

Por exemplo, vôos domésticos; as instruções de segurança que são encenadas pelos comissários de bordo estão todas desenhadinhas e descritas em cartões de papelão atrás dos assentos, mas sempre são repetidas e ainda fazem questão de dizer no final “cartões com informações de segurança encontram-se nas bolsas a sua frente...” Estou ouvindo bastante essas instruções ultimamente... e toda vez que sento leio “use seat bottom cushion for flotation” e fico imaginando o avião caindo na água e eu tentando desprender a parte de baixo do assento pra usar de boinha... É toda uma questão teatral, tem o roteiro, as falas, as encenações, o cenário e o figurino (lógico!) Dizem que o curso de comissário(a) é difícil, mas só consigo pensar num curso de maquiagem e mímica. Será mesmo que existe uma avaliação pra repetir aquelas frases prontas das instruções, com aquele inglês típico “lê como se escreve”? Essa "Era da tecnicidade"... tem que ter diploma pra tudo, até pra fazer “ceninha”.

O pior é saber que essas coisas são necessárias, e existem pessoas despreparadas pra lidar com coisas básicas. Tá certo que o que parece básico pra mim, pode não ser básico pra outra pessoa, porque a vivência dela é diferente da minha e ela pode nunca ter precisado de determinadas informações (como as instruções de vôo), mas aí me deparo com a minha situação (que é a de inúmeras pessoas) quando se está num hospital, o mínimo que se espera é que as pessoas que dão informações saibam lidar com pessoas, saibam dar as informações! Não, doce ilusão... É por termos o hábito de perguntar, que as informações escritas não são suficientes, percebe-se que as orientações são mal-formuladas e “quem não se comunica....” se perde mesmo. Se alguma informação quer ser transmitida de maneira eficiente, deve-se SEMPRE pensar em como o outro receberia aquela mensagem, primeiro de tudo pensar “quem é o outro?” É lógico que não somos analistas, ninguém tem poder de ler pensamento ou coisa parecida, pelo menos eu não tenho, mas não precisa ser um gênio pra conseguir se comunicar, aliás, acho até que gênios devem ter até um pouquinho mais de dificuldade... o ponto é: adaptar a maneira como as coisas são ditas para serem compreendidas facilmente e não só isso, serem também “absorvidas”, que as pessoas leiam determinada informação e que aquilo fique claro e ela consiga agir por si mesma, que não precise perguntar nada a ninguém...

Exemplificando... a primeira vez que vim pra cá, entramos no Prédio dos Ambulatórios, tinhamos que encontrar um elevador e ir até o sétimo andar, ok, simples... mas não! Existem vários elevadores e cada um pára em determinados andares, isso não está escrito em lugar nenhum, ouvimos alguém dando essa informação pra um outro alguém, agora mais um impasse qual elevador pegar? Paramos pra perguntar “siga a faixa verde e amarela”, Não tinha faixa verde e amarela, só tinha faixa amarela, “deve ser essa”, chega até o final da faixa amarela, nada, pergunta pra mais alguém, “ah, vai até o final do corredor que vai começar a faixa verde e amarela”, ou seja, primeiro era só amarela e chegar até a verde e amarela implicaria primeiro passar somente pela amarela, informação corrompida, me senti a Dorothy do Mágico de Oz... Enfim, encontramos, mas somente porque perguntamos, pois as informações (plaquinhas, faixas e etc) não eram suficientes, num lugar imenso desse, seria plausível que informações de localização básicas fossem mais claras. O ditado “quem tem boca vai à Roma”, inicialmente era “quem tem boca vaia Roma”, nessas horas penso em como explicar essa transformação... (acho que tô viajando, mas faz sentido!) Então, somente quando você tem discernimento de como as coisas deveriam ser, você consegue chegar em algum lugar, metendo a boca no trombone.

Orientações são boas se forem simples, completas e práticas... Mais um exemplo... Vim pra cá com a minha mãe, ficaram três homens em casa, ah! e mais um gato, não posso esquecer dele. Em condições normais de temperatura e pressão, homem já é desprendido de tarefas domésticas, imaginem sozinhos e com um gato, então imaginem as condições de um apartamento nessa situação em 20 dias. Precisei tomar providências preventivas, fiz uma lista de orientações básicas, sempre pensando em pra quem eu faria, ou seja, a escolha das palavras e dos exemplos tem que fazer sentido pra eles... eis a lista:

Dicas e Regras básicas para manter a casa organizada e habitável!

- É expressamente proibida a entrada de ANIMAIS no quarto da Rafaella.

- Manter as portas fechadas para o Abreu [o gato] não demarcar território.

- Checar as caixas do gato (de areia e de comida), para ter certeza de que ele não se confundiu. Mantê-las limpas para que ele não use a SUA CAMA como banheiro.

- Não deixar toalhas acumulando no cesto de roupas, pois em pouco tempo todas ficarão pretas!

- Verificar se o nível da água (+ sabão em pó e amaciante) está compatível com a quantidade de roupas na máquina (antes de lavar!)

- A limpeza do banheiro implica: (não jogar papel no vaso sanitário!) dar descarga até desaparecerem os fluidos; deixar os azulejos e o piso do Box livre de larvas e mofo; varrer o chão e passar pano (e LAVAR os panos logo após o uso!)

- LAVAR os copos logo após o uso. Pois, caso contrário, em pouco tempo todos os copos do mundo estarão na pia e você terá que tomar água fazendo conchinha com a mão.

- Abrir o congelador de vez em quando, para não deixar um urso polar se criar lá dentro.

- Dar uma geral na geladeira, pelo menos, uma vez na semana. Comida guardada muito tempo fica verde, cria pêlo e dá medo!

- Tirar e LEVAR o lixo TODOS os dias (mais de uma vez por dia se estiver transbordando ou fedendo!)

- Quando algum produto estiver acabando anote para comprar ANTES que acabe. Pois você pode acabar tendo que usar a mão como papel higiênico, por exemplo.

- Computador, videogame e CIA LTDA não são carentes! Podem esperar você fazer suas tarefas PRIMORDIAIS e não vão ficar depressivos...

- Passar aspirador e tirar o pó, pelo menos três vezes na semana, ou, a qualquer momento em que se perceba que os móveis e o chão, na realidade, NÃO são de veludo.

- Não faça armadilhas nos armários! Arrume de maneira que as coisas não se joguem em cima do primeiro sortudo que abrir a porta.

- Cada coisa tem o seu lugar, preste atenção no seu local de origem e coloque-a novamente no MESMO lugar a qual pertence, após ser usada!

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Fui clara? Não exatamente. Mas pra quem eu escrevi, sei que me fiz entender. Num primeiro momento deram risadas, fizeram piada, mas pelo menos eles pegaram a essência da coisa e sabem o que deve ser feito, não que tenham seguido tudo lindamente, mas agora têm consciência do que fazer (simplesmente porque está registrado!). E sei ainda que entenderam todos os “duplos-sentidos” implícitos...

Não que eu seja a “senhora informada” (talvez muito pelo contrário... hahaha), mas sei que um pouquinho de senso todos têm, só falta colocar pra funcionar...

A doença mais comum entre as pessoas é a dificuldade de serem autônomas; o pior é que ninguém pode ser curado completamente disso...